A diarista Wanessa Silva, moradora de Guaianases, zona leste de São Paulo, vive há dois anos sob um único objetivo: apostar. Aos 39 anos, ela faz bicos como faxineira e já trabalhou como camareira e atendente de telemarketing. Hoje, porém, quase todo o dinheiro que ganha — e até o que não ganha — é consumido em plataformas de jogos de azar.
Wanessa faz parte das 114 pessoas que buscaram tratamento para dependência em apostas nas unidades de saúde pública da capital em 2025, número três vezes maior que o registrado em 2023. Ela também integra o contingente de cerca de 40 milhões de brasileiros que fizeram ao menos uma aposta online no último ano, segundo pesquisa da CNDL e do SPC Brasil.
A diarista relata que entrou no mundo das bets após ver o post de uma amiga nas redes sociais. “Perguntei se era verdade que ela estava ganhando R$ 200 por dia e ela me explicou. Eu estava sem dinheiro, então depositei R$ 40. Aí começou a palhaçada”, disse.
Do lucro rápido ao fundo do poço
O início foi animador. Em um único dia, Wanessa chegou a ganhar R$ 2 mil. Mas o dinheiro, em vez de aliviar as contas, era sempre reinvestido em novas apostas. O impulso se transformou em compulsão e ela desenvolveu transtorno do jogo — dependência caracterizada pela dificuldade de controlar tempo e gastos, gerando conflitos familiares, dívidas e comorbidades como depressão, ansiedade e ideações suicidas.
A diarista não sabe quanto perdeu desde que começou a jogar, mas lembra de ter depositado R$ 8 mil em uma única plataforma. O vício também lhe custou o emprego. “Fingia que estava passando mal para voltar para casa e jogar. Pedi as contas. A rescisão de R$ 6 mil foi toda embora.”
Bolsa Família e contas atrasadas
O descontrole financeiro aparece também nas estatísticas. A pesquisa CNDL/SPC Brasil mostra que 19% dos apostadores comprometem a renda com jogos; 17% deixam de pagar contas e 29% já foram negativados. Dados do TCU revelam ainda que 27% dos R$ 13,7 bilhões pagos pelo Bolsa Família em janeiro de 2025 abasteceram cofres de empresas de apostas.
Wanessa admite ter usado o benefício duas vezes para apostar. Para evitar recaídas envolvendo esse dinheiro, transferiu o aplicativo do programa para o celular da filha de 13 anos, que hoje controla suas finanças.
A dependência também abalou o casamento. “Chegava dia de pagar as contas e eu já tinha gastado tudo. Meu marido avisou que, se descobrir que continuo jogando, vai pedir separação”, disse.
Busca por ajuda e tratamentos insuficientes
Tentando se tratar, a diarista procurou o Caps AD Guaianases. Mas desistiu após duas reuniões em grupo. “Eu não me sentia bem. Quando falava que meu problema era o jogo, as pessoas riam.”
Para o psicólogo Edilson Braga, pesquisador do Ambulatório do Transtorno do Jogo do Hospital das Clínicas, a falta de capacitação profissional compromete o atendimento. “Faltam profissionais preparados tanto para a abordagem medicamentosa quanto psicoterapêutica. Muitas vezes não sabem o que fazer e encaminham para nós.”
Wanessa ainda tentou aplicativos que bloqueiam sites e plataformas de aposta, mas encontrou meios de burlar o sistema. “Quando eu não jogo, fico mal. Excluo tudo, mas basta abrir as redes sociais e vejo propaganda de aposta.”
Na avaliação dela, a única saída seria o governo “tirar tudo do ar”. As apostas esportivas e cassinos online foram legalizados em 2018 e regulamentados em 2023.
Rede pública afirma atuar na capacitação
A Secretaria Municipal da Saúde informou que promove qualificação contínua das equipes da Atenção Primária e dos Caps por meio de ações de educação permanente. As 479 UBSs funcionam como portas de entrada para acolhimento e encaminhamento à Rede de Atenção Psicossocial, que conta com 103 Caps.
Já a Secretaria de Estado da Saúde disse apoiar a implementação da política de tratamento da dependência em jogos, com capacitações e suporte às equipes de saúde mental. A pasta afirmou que, nos próximos meses, promoverá ações de formação e fortalecimento de parcerias.
Enquanto isso, Wanessa segue tentando vencer sozinha o ciclo que transformou sua vida em aposta constante — quase sempre perdida.
