O Brasil já se acostumou com escândalos, mas alguns episódios sintetizam, com precisão desconcertante, o nível de desgaste moral que corrói a política contemporânea. O mais recente envolve o deputado estadual Renato Freitas, do PT do Paraná, que voltou ao centro do debate após transformar a defesa da maconha em eixo de sua atuação pública.
Em entrevista ao portal Breeza, Freitas não apenas defendeu a legalização da droga como se apresentou como entusiasta e usuário. “Eu não fumo cannabis, eu fumo maconha”, afirmou. “Não sou canabizero, sou maconheiro.” A declaração teatralizada, sem relação direta com atividades legislativas, buscou reforçar identidade ideológica e acenar a setores mais radicalizados da esquerda que enxergam no tema um símbolo de resistência.
O deputado também reiterou que a criminalização da planta tem “caráter racista”, argumento recorrente em discursos do campo progressista. Em tom de anedota, contou que chegou a tentar plantar maconha em casa, mas sem sucesso. Segundo relatou, rindo, a própria mãe teria escondido as mudas no banheiro durante uma viagem. A forma como um parlamentar transforma o cultivo de droga ilícita em história familiar ilustra o distanciamento entre a função pública e o tom adotado por Freitas.
A preocupação maior, porém, surge quando ele detalha seu plano político: criar um coletivo de plantio de cannabis com participação de ex-detentos. A proposta oficial alega atender pacientes vulneráveis, mas levanta receios sobre riscos de desvio, falta de fiscalização e possível exploração por grupos criminosos — num cenário em que o país já enfrenta desafios estruturais de segurança.
A retórica do deputado atingiu seu ápice quando ele declarou: “Vamos poder fumar nossa maconha na cara da classe média, branca, hipócrita, de Curitiba.” A frase expôs o componente provocativo que permeia o discurso: não se trata de debate de saúde pública, ciência ou política de drogas, mas de confronto identitário e hostilidade direcionada.
As controvérsias envolvendo Freitas, contudo, não se restringem à pauta da maconha. Em 19 de novembro, o deputado protagonizou uma agressão filmada que viralizou nas redes. As imagens mostram Freitas atravessando a rua com um assessor para confrontar o manobrista Wesley de Souza Silva, dando início a um embate físico com socos, chutes e empurrões. O deputado terminou com o nariz quebrado e afirmou ter sido vítima de racismo, narrativa rapidamente apoiada pelo PT.
O vídeo, no entanto, alimentou questionamentos sobre sua versão. As imagens mostram o parlamentar avançando para realizar a agressão, transformando uma discussão de trânsito em episódio de violência iniciado por quem deveria zelar pela representatividade do cargo que ocupa.
Como consequência, Freitas agora é alvo de oito representações no Conselho de Ética da Assembleia Legislativa do Paraná, apresentadas por parlamentares de diferentes partidos. As acusações incluem agressão física, tumulto e ofensas em debates, uso do mandato para pressionar terceiros, revelação de tratativas sigilosas, divulgação de materiais restritos, manipulação de verbas de gabinete, favorecimento a financiadores e registro irregular de presença. Se confirmadas, apontam para um padrão de conduta incompatível com o decoro exigido de um legislador.
O caso de Renato Freitas deixa de ser apenas uma polêmica individual para se tornar sintoma. Sintoma de uma política que perdeu pudor, perdeu responsabilidade e perdeu conexão com as urgências reais do país. Em meio a índices de violência alarmantes, crise econômica e um sistema de saúde cronicamente sobrecarregado, soa surreal que parte do Parlamento esteja ocupada com bravatas sobre “fumar maconha na cara da classe média”.
