
Em um país onde aposentados muitas vezes vivem com o mínimo necessário, depender do INSS não é apenas uma condição — é, para muitos, uma sentença de aperto financeiro. Agora, imagine que, além disso, parte do pouco que recebem ainda está sendo descontado sem autorização para beneficiar sindicatos e instituições bancárias. Esse é o cerne do escândalo que envolve o Sindnapi, sindicato ligado à Força Sindical e que tem como vice-presidente Frei Chico, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A situação revelada pela reportagem do Metrópoles é gravíssima: aposentados estão sendo filiados sem consentimento ao Sindnapi, muitas vezes durante a contratação de empréstimos consignados em agências do Banco BMG. Na prática, o que ocorre é uma espécie de “venda casada disfarçada”, onde a documentação de filiação ao sindicato é embutida no processo de liberação do crédito — e os descontos começam a vir diretamente da aposentadoria, sem que o segurado sequer perceba.
Segundo auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), o Sindnapi teve um salto de arrecadação impressionante: R$ 100 milhões em três anos. O número de filiados também explodiu, passando de 170 mil para 420 mil. Muitos, como o aposentado José Luiz Gregório, da Bahia, só descobriram que faziam parte do sindicato quando foram buscar explicações no próprio INSS. A narrativa se repete: não assinaram nada, não se lembram de ter autorizado, não sabiam sequer da existência da entidade.
É inegável que há benefícios oferecidos — como assistência funeral e até remédios gratuitos —, mas esses serviços foram mesmo solicitados pelos filiados? Ou apenas usados como justificativa para abocanhar parte das já modestas aposentadorias de milhares de brasileiros? A Controladoria-Geral da União (CGU) ouviu 26 aposentados: 20 afirmaram que jamais se filiaram voluntariamente ao Sindnapi. O problema é estrutural — e moral.
Pior: quando os casos chegam à Justiça, o sindicato frequentemente apresenta fotos e áudios supostamente coletados no momento da filiação. Ainda assim, tribunais como o da Bahia têm revertido decisões e mandado suspender os contratos e devolver os valores cobrados. Mas e os milhares de outros que não têm condições ou conhecimento para buscar reparação?
O caso escancara a fragilidade do controle público sobre o sistema de consignados, que deveria ser um mecanismo de alívio financeiro, não uma armadilha silenciosa. Também mostra como relações entre sindicatos e bancos podem se tornar terreno fértil para abusos quando envolvem populações vulneráveis, como aposentados e pensionistas.
É simbólico — e preocupante — que o Sindnapi tenha entre seus dirigentes alguém tão próximo do poder central do país. Isso exige transparência redobrada e investigação firme, ainda que não haja, até o momento, indícios de envolvimento direto do presidente Lula.
A Operação Sem Desconto, da Polícia Federal, já levou à queda do então ministro da Previdência, Carlos Lupi, e do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto. Mas a limpeza precisa ir além. É necessário rever os Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) que permitem a sindicatos operarem dentro do sistema do INSS e garantir que qualquer desconto em folha seja precedido de consentimento explícito e auditável.
A dignidade dos aposentados precisa ser prioridade. E ela começa por respeitar o que é deles por direito: o salário, a autonomia e a liberdade de escolha.
