
Em 2016, Cláudia abandonou uma carreira jurídica consolidada, com 11 anos de experiência, para viver um estilo de vida oposto ao que levava em Sorriso, no interior de Mato Grosso.
Cláudia de Marchi escreve para sobreviver ao próprio caos . que acontece com uma mulher depois que ela deixa de ser acompanhante de luxo?
É essa a pergunta — direta e incômoda — que a advogada e escritora Cláudia de Marchi tenta responder em “Caótica”, seu novo livro de crônicas, lançado no fim de março pela Editora Bestiário. A obra é uma espécie de ritual de encerramento de uma fase intensa e dolorosa de sua vida: após deixar de ser acompanhante de luxo, cortesã, e os relacionamentos marcados pela omissão e, acima de tudo, o processo de reencontro consigo mesma.
Em 2016, Cláudia abandonou uma carreira jurídica consolidada, com 11 anos de experiência, para viver um estilo de vida oposto ao que levava em Sorriso, no interior de Mato Grosso. Foi para Brasília e tornou-se cortesã. A escolha — que ela afirma ter sido consciente e estratégica — lhe garantiu fama internacional, altos cachês e experiências com homens poderosos, quase sempre casados. Mas a liberdade aparente também trouxe marcas profundas.

Anos depois, a própria vida a exigiu de volta. Cláudia retomou os estudos, fez mestrado, passou a viver em Porto Alegre, onde hoje é doutoranda em Teoria da Literatura com bolsa da Capes. Sem esse apoio, diz, jamais teria conseguido se reerguer. “Sem a bolsa, eu teria continuado naquela vida. A vida acadêmica foi meu porto”, confessa.
“Caótica” é sua terceira obra, mas talvez a mais visceral. “Usei esse tempo pra fazer a publicidade do livro falando do ex-amante, né? E eu assumi que isso foi um ritual. Lançar esse livro foi também me despedir desse caso traumático. Ele morreu na minha escrita”, afirmou. A referência é a um relacionamento com um homem casado, vivido após ela já ter encerrado sua fase como acompanhante. “Foi a maior contradição da minha vida. Eu, que sempre fui contra isso, acabei sendo amante. Me violentei”, diz.
Segundo Cláudia, a experiência a adoeceu profundamente. “Amante é a pior posição que uma mulher pode assumir. É ser a prostituta sem dignidade. E eu fui isso, por um tempo. Traí a mim mesma, e talvez essa culpa nunca passe.”
Mas não é de autoflagelo que vive “Caótica”. É de lucidez. É sobre uma mulher que se recusa a ser reduzida a um único papel. “Eu sou tantas sendo uma. Já fui professora universitária, vendedora de vinhos contrabandeados, advogada apaixonada, cortesã, mestranda, doutoranda. E em todas essas versões, fui eu. Com intensidade e com verdade”, escreve.
A estrutura do livro, propositalmente sem ordem cronológica, convida o leitor a flanar no caos que foi (e ainda é) sua vida. As crônicas não seguem linha do tempo, mas uma linha afetiva, emocional — caótica, como o título anuncia. Não há máscaras. “Escrevo com sinceridade. Se agrado ou incomodo, pouco importa. Minha escrita é corajosa, porque é honesta”, afirma.
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“Caótica” não é apenas um livro sobre prostituição. É sobre culpa, renascimentos e a possibilidade de construir uma nova narrativa — mesmo depois de se perder. É também sobre o luto que não se viveu, o amor que não se teve e a dignidade que se recupera na marra, linha por linha, crônica por crônica.
Ao abandonar a prostituição, Cláudia não buscou redenção, mas reencontro. Hoje, ela vive em Porto Alegre, dedica-se à pesquisa, e escreve não para agradar — mas para não enlouquecer. Ainda quer escrever um livro que ame profundamente, que possa reler sem se perder na mulher que foi. “Talvez seja este. Ou talvez o próximo. Ou nunca”, diz.
No fim das contas, escrever foi a forma que encontrou para não perder a guerra. Porque algumas batalhas ela já sabe que perdeu — e resolveu falar sobre isso.
“Caótica” foi lançado no último dia 29 de março pela Editora Bestiário, de Porto Alegre. A obra pode ser adquirida neste link.
Cláudia lançou o livro “Contra a Maré: minha vida em crônicas e crônicas da vida”, uma seleção com escritos que expressam a sua evolução como mulher entre 2003 e 2016, quando tornou-se cortesã em Brasília. Em 2018, lançou “De encontros sexuais a crônicas: o diário de uma advogada e acompanhante de luxo feminista”, mas pediu a despublicação da obra em 2023.
Cláudia lançou o livro “Contra a Maré: minha vida em crônicas e crônicas da vida”, uma seleção com escritos que expressam a sua evolução como mulher entre 2003 e 2016, quando tornou-se cortesã em Brasília. Em 2018, lançou “De encontros sexuais a crônicas: o diário de uma advogada e acompanhante de luxo feminista”, mas pediu a despublicação da obra em 2023.