
Na manhã desta quarta-feira (7), 133 cardeais entrarão na Capela Sistina, no Vaticano, para o início do conclave que elegerá o novo pontífice da Igreja Católica. O processo, envolto em rigoroso sigilo, busca garantir que os eleitores estejam isolados de pressões externas. No entanto, o clima nos bastidores revela uma realidade mais complexa: uma campanha velada tenta influenciar o futuro da Igreja por meio de um relatório com forte inclinação conservadora.
Intitulado “Relatório do Colégio dos Cardeais”, o documento foi entregue aos cardeais nos dias que antecederam o conclave. Com cerca de 40 perfis de possíveis papáveis, a obra analisa suas posições em temas como bênçãos a casais do mesmo sexo, ordenação de mulheres ao diaconato e métodos contraceptivos. A mensagem implícita, segundo especialistas e membros da própria Igreja, é clara: eleger um papa que interrompa ou reverta as reformas iniciadas por Francisco.
O projeto foi elaborado por Edward Pentin, jornalista britânico, e Diane Montagna, americana, ambos associados à imprensa católica tradicionalista. O material está disponível online, mas também foi impresso em versão de luxo e entregue em mãos a cardeais durante encontros pré-conclave. Montagna foi vista distribuindo cópias às portas dessas reuniões.
Apesar da justificativa de que o relatório tem como objetivo “ajudar os cardeais a se conhecerem melhor”, o tom das análises levanta suspeitas. Cardeais próximos a Francisco são rotulados como “polêmicos”, enquanto figuras críticas ao papa falecido, como Raymond Burke, são enaltecidas. A iniciativa foi financiada por instituições ligadas ao conservadorismo católico, como a Sophia Institute Press e a revista francesa Cardinalis, além de possíveis apoios de grupos como a EWTN, o Napa Institute e a Papal Foundation.
Dois canonistas ouvidos pela CNN classificaram o relatório como uma tentativa explícita de influenciar o conclave, o que violaria normas estabelecidas pelo papa João Paulo II, que proíbem qualquer tipo de ingerência — inclusive por leigos — na escolha de um novo papa. A sanção prevista é excomunhão.
Ainda assim, não há mecanismo claro para impedir que o material entre com os cardeais na Capela Sistina. “O que eles levarem depende deles”, disse um porta-voz do Vaticano.
A eleição de 2025 ocorre em um cenário em que muitos cardeais ainda não se conhecem bem — fruto da nomeação de novos membros por Francisco ao longo da última década. Esse desconhecimento, somado à diversidade geográfica (são 71 países representados), aumenta a influência de materiais como o relatório.
A polarização reflete a tensão entre as alas reformista e conservadora da Igreja. Enquanto Francisco buscou abrir portas para o debate em temas sensíveis e fortalecer o diálogo com a sociedade contemporânea, seus opositores criticam o que chamam de relativismo doutrinário. Para estes últimos, o conclave é uma oportunidade de “correção de rumo”.
A escolha do novo líder espiritual de mais de 1 bilhão de católicos acontece em um contexto de disputas ideológicas, influência de grupos externos, e desafios históricos. Apesar do véu do sigilo, o conclave de 2025 já entrou para a história como um dos mais tensionados das últimas décadas.