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O desenvolvimento do captopril, um dos medicamentos mais utilizados no mundo para controle da hipertensão arterial, tem origem em uma descoberta inusitada e inteiramente brasileira: o veneno da jararaca. A partir da década de 1960, a pesquisa conduzida pelo farmacologista Sérgio Henrique Ferreira, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, revelou que substâncias presentes no veneno da Bothrops jararaca poderiam ser a chave para um tratamento eficaz contra a pressão alta.
Foi durante seus estudos que Ferreira identificou a teprotida, um peptídeo capaz de inibir a enzima conversora de angiotensina (ECA), responsável pela elevação da pressão arterial. A substância, que inicialmente apresentava limitações para uso clínico, inspirou o desenvolvimento de uma nova classe de medicamentos: os inibidores da ECA. Com colaboração internacional, os cientistas David Cushman e Miguel Ondetti criaram o captopril, a primeira molécula sintética administrada por via oral com essa função.
O funcionamento do captopril é baseado no bloqueio da conversão de angiotensina I em angiotensina II, um dos mais potentes vasoconstritores do corpo humano. Com isso, os vasos sanguíneos se dilatam, a pressão arterial diminui e a sobrecarga sobre o coração é reduzida. O medicamento trouxe avanços importantes no tratamento não só da hipertensão, mas também de insuficiência cardíaca e outras doenças cardiovasculares, com impacto positivo na qualidade de vida e expectativa de vida de milhões de pacientes.
Sérgio Henrique Ferreira, nascido em Franca, interior paulista, em 1934, se tornou referência internacional na farmacologia. Membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, presidiu a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e, por seu trabalho com os inibidores da ECA, recebeu importantes prêmios internacionais, como o Ciba Award For Hypertension Research. Ferreira faleceu em 2016, aos 81 anos, deixando um legado histórico para a medicina.
Apesar de a descoberta ter surgido no Brasil, a patente e a produção industrial do captopril foram registradas por laboratórios estrangeiros, que faturaram bilhões de dólares com o medicamento. Esse episódio evidencia a dificuldade histórica brasileira de transformar suas descobertas científicas em produtos de mercado e renda nacional.
Hoje, o captopril segue como referência entre os medicamentos anti-hipertensivos, ao lado de outros derivados desenvolvidos posteriormente, como enalapril e ramipril. Enquanto isso, o veneno da jararaca continua sendo objeto de pesquisas. Mais de 100 peptídeos identificados no veneno da Bothrops jararaca-do-norte possuem potencial terapêutico para áreas como cardiologia, neurologia, infectologia e oncologia.
Estudos do Instituto Butantan, Universidade Federal de São Paulo e publicações em revistas científicas internacionais seguem validando o valor medicinal dos componentes do veneno da jararaca, reforçando a importância da biodiversidade brasileira e da pesquisa nacional na descoberta de novos tratamentos para doenças humanas.