A consultora de sono Nicole Cannon, moradora de Cranbury, em Nova Jersey (EUA), vive um dilema comum a muitas famílias: atender ao pedido do filho de 13 anos por um smartphone ou adiar a entrega do aparelho para evitar impactos negativos na rotina e na saúde do adolescente. Ela teme que o celular monopolize a atenção do garoto, comprometendo responsabilidades, atividades ao ar livre e até mesmo horários de alimentação.
Embora o filho já tenha um iPad, Cannon percebe que ele prefere permanecer nas telas em vez de praticar esportes. Outra preocupação é o sono. “E se ele estiver tendo picos constantes de dopamina com as coisas que faz no celular, e seu corpo não conseguir regular os hormônios do sono durante a noite?”, questiona.
Ao mesmo tempo, a mãe reconhece que um smartphone traria benefícios, como mais segurança agora que o adolescente passa a sair sozinho com amigos. O relógio inteligente que ele usa nem sempre funciona adequadamente. “Às vezes não faço ideia de onde ele está”, afirma. “Esse é o conflito: quero rastreá-lo, mas não quero que ele fique viciado.”
As dúvidas de Cannon encontram respaldo em um novo estudo publicado nesta segunda-feira (1º) na revista Pediatrics. A pesquisa, que analisou mais de 10 mil jovens de 12 anos nos Estados Unidos, indica que adolescentes que recebem celulares mais cedo têm maior probabilidade de desenvolver obesidade, depressão e dificuldades para dormir.
“Muitos especialistas já aconselhavam os pais a adiar o primeiro smartphone, mas faltavam evidências empíricas. Este estudo ajuda a preencher essa lacuna com uma grande amostra nacional”, afirma o psiquiatra infantil Ran Barzilay, do Hospital Infantil da Filadélfia, autor principal da pesquisa.
Barzilay destaca que o estudo não investigou como as crianças usavam seus celulares, nem por quanto tempo — fatores que também influenciam a saúde. Não há, por ora, dados que indiquem se os impactos se repetem entre usuários mais velhos.
Orientações para famílias
Especialistas reforçam que, diante das evidências, os pais devem considerar alternativas antes do smartphone, como celulares simples ou relógios que permitam comunicação. Telefones fixos continuam sendo uma opção para conversas entre amigos.
Para evitar que o celular substitua o exercício físico quando as crianças finalmente o recebem, a recomendação é investir em esportes organizados ou atividades extracurriculares. A participação em treinos e aulas reduz o tempo de tela e cria rotinas mais saudáveis. E, além de manter os filhos ativos, torna praticamente impossível usar o aparelho durante práticas como futebol, artes marciais ou ioga.
Sono e uso noturno
Barzilay reforça a importância de proibir celulares nos quartos durante a noite. Estudos mostram que muitos jovens utilizam os aparelhos escondidos, debaixo das cobertas, o que prejudica o descanso. A falta de sono aumenta riscos de acidentes, dificuldades de aprendizagem e problemas de saúde, como depressão e ganho de peso.
Uma estratégia para reduzir conflitos é definir um ponto central da casa onde todos — inclusive os pais — deixam os aparelhos carregando durante a madrugada.
Atenção à saúde mental
Outro ponto de atenção é o impacto da “cultura da comparação” nas redes sociais. Crianças e adolescentes podem se sentir inadequados diante de versões idealizadas da vida alheia. O diálogo é fundamental: pais devem orientar os filhos sobre os efeitos do conteúdo consumido e reforçar que redes sociais não refletem a realidade.
Barzilay recomenda conversas periódicas sobre o uso do aparelho e sua influência no bem-estar. Explorar conteúdos juntos também pode direcionar os algoritmos para temas mais saudáveis e ajudar a evitar materiais inadequados.
Há ainda o risco de envolvimento em conflitos online e casos de cyberbullying. Especialistas destacam que os pais precisam manter um canal aberto para que os filhos se sintam seguros ao pedir ajuda.
Outro cuidado é garantir que o smartphone não substitua o contato presencial com amigos. Apesar da impressão de que os jovens preferem telas, muitos relatam dificuldade de encontrar colegas porque seus pais restringem as saídas. Incentivar encontros, atividades ao ar livre e brincadeiras sem celular fortalece vínculos e melhora o bem-estar.
Conclusão
O estudo reforça um alerta crescente: entregar smartphones cedo demais pode trazer prejuízos à saúde física e mental das crianças. Adiar a decisão, avaliar alternativas e adotar regras claras são medidas importantes, especialmente para os mais jovens. Quando o celular chega, o papel dos pais é essencial para garantir uma relação equilibrada com a tecnologia — preservando sono, saúde emocional e tempo para o mundo real.
