
Foto reprodução internet
São muitas as histórias parecidas. E elas começam com o encantamento, a “magia” da maior franquia de chocolates do país, a expectativa de um bom negócio, a empolgação com a realização de um sonho.
Até que chegam as primeiras cobranças, taxas e multas que não haviam sido mencionadas lá no início. Aditamentos de contrato, novos preços pelos produtos. Para continuarem funcionando, os franqueados encomendam mais, na esperança de aumentar as vendas e equilibrar as contas. Mas, em vez do lucro, surgem dívidas impagáveis, muitas vezes avalizadas com bens pessoais como casas e carros. É quando o sonho vira pesadelo.
A coluna ouviu relatos de dezenas de ex-franqueados da Cacau Show. A maioria pediu anonimato por medo de retaliações. Além das dívidas com a franqueadora, muitos dizem estar presos em contratos que os impedem de sair sem abrir mão dos bens que serviram de garantia. Um dos pontos mais criticados é a cláusula que dá à rede o poder de interferir na venda das lojas quebradas, escolhendo quem poderá assumir o ponto — que se torna, novamente, franqueado da Cacau Show.
Dona Irene Angelis, que já teve seis lojas da marca, afirma que a lógica por trás do negócio é a rotatividade forçada de franqueados. “A sensação que eu tenho é que quanto mais franqueado quebrar, mais loja ele vai repassar, vai ganhar taxa de franquia, vai ganhar juros. Virou uma indústria. E ele lucra com tudo. Ficou bilionário deixando um rastro de pessoas quebradas.”
Segundo Irene, esse “rastro” é de pessoas doentes, endividadas, em colapso emocional. Ela mesma desenvolveu síndrome do pânico e insuficiência cardíaca. “Perdi R$ 3 milhões.” Ao relembrar os primeiros passos no negócio, desabafa: “Quando você entra, quando assina os contratos, é um mar de rosas. Depois, o contrato vai mudando. Você já está amarrado, não tem como pular fora. Você já colocou o seu dinheiro.”
“Vai benzer”
Quando tudo começa a ruir, muitos franqueados procuram ajuda. Mas, em vez de suporte prático, recebem conselhos motivacionais. Uma ex-franqueada conta que procurou uma consultora da rede e ouviu que “precisava se benzer”. “Ela insinuou que era só comigo”, lembra.
Essa ex-franqueada estudou antes de abrir a loja. “Peguei minhas economias, investi no sonho de ter uma loja. E, depois de três anos trabalhando feito louca, sem folga, sem férias, sem passar Natal nem Páscoa com a minha família, saí cheia de dívidas, muito abalada emocional e psicologicamente.”
“Me sinto uma morta-viva”
Outra ex-franqueada ainda tenta vender sua loja. “Sonhei por muito tempo, envolvi toda a minha família. Quando as coisas começaram a dar errado, insisti, achei que, me dedicando mais, eu viraria o jogo.”
Ela se culpa pelo fracasso. “Eu sentia que o problema era eu, já que via tantos casos de sucesso. Fui ficando doente e me endividando.” Hoje, tem uma dívida de R$ 750 mil. “Não sei como reagir, sinto medo e vergonha.”
Tragédia nas enchentes
Nem mesmo a tragédia das enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em 2024 sensibilizou a Cacau Show, segundo uma franqueada atingida. Sua loja ficou submersa, perdeu tudo. Ao pedir ajuda, ouviu cobranças.
“A água foi até o teto. Montanhas de chocolates, móveis, eletrônicos, eletrodomésticos, louças. Tudo foi pela sarjeta”, conta. “Ao invés de apoio, recebi ligações de consultores questionando por que a loja estava fechada.”
Ela precisou arcar com os custos da mercadoria destruída, incluindo royalties e taxas. “A pior parte foi a cobrança de tudo, sem desconto, sem isenção. Nem um centavo de alívio.” Ao tentar sair da franquia, buscou negociar a dívida, mas ouviu outro não.
“Uma organização desumana”
“Essa franquia é desumana. Fora as perdas financeiras, tem a perda da saúde mental e física”, desabafa. Para ela, o modelo beira uma pirâmide. “Contam sempre com o fluxo de novos franqueados ingressando. O produto é o que menos importa. O negócio é cobrar taxas e mais taxas, multas… assim extorquem os desavisados.”
Ela critica também a cultura do silêncio que, segundo diz, impera entre os franqueados. “Ninguém pode falar mal, ir contra eles, para não contaminar os novos.”
A Cacau Show foi procurada para comentar as acusações, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.
Com inf. Metrópoles