Guns N’ Roses, símbolo da rebeldia oitentista, mas que também conquistou diferentes gerações no decorrer de sua trajetória, arrebentou as cercas de Mato Grosso para grandes shows internacionais. A venda de mais de 40 mil ingressos se materializou ao coro da mutidão eufórica e uniformizada para ver lendas vivas no palco.
Sem dúvida, uma das bandas mais populares do mundo. A rota escolhida, não acidentalmente, reforça o posicionamento que a banda mantém em toda a carreira: justiça, romper barreiras, além de cobrar equidade de direitos.
Para quem tiver dúvida, basta dar o play com mais atenção em canções emblemáticas como Welcome to the Jungle ou Civil War. Por falar nisso, vale retomar o constante posicionamento do front man Axl Rose a favor da liberdade, como quando, recentemente, ergueu a bandeira da Palestina durante o show na Colômbia ou, antes disso, criticando com frequência Donald Trump e membros da extrema direita.
Não à toa, no dia do show em Cuiabá, o perfil oficial da banda publicou uma ilustração repleta de animais silvestres e com foco na onça-pintada, furiosa em sua natureza mais selvagem, já que Mato Grosso é onde há maior concentração de onças-pintadas do mundo, animal em extinção.
Na turnê A Because What You Want & What You Get Are Two Completely Different Things, um divisor de águas: novas possibilidades de shows internacionais, uma economia que pode se fortalecer, uma promessa de investimento em infraestrutura urbana e turismo.
Quem sabe, a partir daí, ocorra uma compreensão mais ampla de diferentes tipos de iniciativa que nosso estado tem e movimentar de forma mais constante as engrenagens com quem já consome e vive de arte por aqui e, fundamentalmente, ampliar esse trabalho para que a pluralidade continue fluindo e buscando novas maneiras de acontecer.
Não faz mais sentido que Mato Grosso seja visto como território isolado. Somos pulsantes e uma mistura sociocultural que há décadas precisa deixar de ser uma veia aberta que apenas sangra, mas que transborda essência do sangue latino, híbrido e indomável.
Este território tem a possibilidade de daqui para frente, arrebentar as linhas geográficas outrora vistas como limitantes. Ledo engano de quem embaralha o discernimento e se perde no senso comum de tom jacoso, como: “O que eles estão fazendo aqui?”.
Eles, bem como os produtores e investidores, sabem bem o motivo de terem vindo. Resta que, para além dessa força observada por quem vem de fora, realmente tenhamos mais da iniciativa pública e privada. Que tenhamos menos da postura tímida e “não-merecedora” enquanto público, para que, mais que atrações oriundas de grandes turnês, tenhamos constância em festivais de todos os tipos, com música, teatro, dança, cinema, exposições, eventos esportivos e outras possibilidades.
Não somos apenas produtores de grãos e numa área rica em biodiversidade, somos também potência, força e manifestação cultural no Centro Geodésico da América do Sul.
Guns N’ Roses não foi apenas um show. Foi uma arena cheia. Foi um marco histórico. Isso não tem nada de acidental. Foi um reconhecimento, feito de forma estratégica e bem posicionada.
Como diria um trecho de Manifesto Calorista, da banda Calorosa, que muito me emociona toda vez que ouço: “É preciso sair, fugir, gritar, mas nós queremos ficar, queremos estar nesse lugar”.
Somos protagonistas e estamos na parte de dentro das fronteiras que acolhem Cerrado, Amazônia e Pantanal. Com muita história e fontes de inspiração.
A resposta que queríamos para que, em que momento impulsionaríamos nossas forças para essa virada de chave acontecer de forma definitiva, é: agora.
Mirella Duarte
Jornalista cultural, assessora de comunicação, escritora e documentarista em Mato Grosso
