As decisões judiciais desta sexta-feira (28) escancaram uma assimetria que não pode ser ignorada por quem acompanha com seriedade o funcionamento do sistema penal brasileiro. Em menos de 24 horas, o país viu dois casos emblemáticos — um envolvendo a elite financeira, outro ligado ao crime organizado — receberem tratamentos que contrastam diretamente com o rigor aplicado ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região revogou a prisão de Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, e de outros quatro executivos detidos na Operação Compliance Zero. Embora o caso envolva suspeitas de um esquema financeiro sofisticado, todos foram liberados com medidas cautelares consideradas brandas, como a tornozeleira eletrônica.
No Amazonas, a Justiça autorizou que Luciane Barbosa Farias, conhecida como “Dama do Tráfico”, cumpra sua pena de 10 anos em regime domiciliar. A decisão considerou um relatório social que apontava prejuízos emocionais às filhas da condenada. O Ministério Público deu parecer favorável. Trata-se da mesma Luciane que ficou conhecida por circular em ambientes institucionais de Brasília enquanto representava um instituto financiado por facção criminosa
Esses dois casos ilustram um padrão recorrente: quando o réu é empresário influente ou figura conectada a redes ilícitas estruturadas, a Justiça tende a adotar uma interpretação mais elástica dos princípios da “dignidade da pessoa humana” e da “proteção familiar”.
O contraste fica ainda mais evidente quando comparado ao tratamento dispensado a Jair Bolsonaro, que segue recolhido na Superintendência da Polícia Federal, em regime fechado, sob supervisão direta do ministro Alexandre de Moraes.
Bolsonaro enfrenta crises de saúde documentadas — soluços persistentes, refluxo intenso, apneia do sono, além de um diagnóstico de câncer de pele — e, ainda assim, seus pedidos de prisão domiciliar humanitária não avançaram. Moraes optou por manter o processo de execução penal sob sua própria condução, diferentemente do que ocorre na praxe do Supremo Tribunal Federal desde o caso do Mensalão, quando grande parte das execuções passou a ser redistribuída para Varas de Execução Penal.
É justamente essa divergência procedural que provoca estranhamento técnico.
Por que banqueiros e réus ligados ao crime organizado têm acesso a medidas humanitárias ou flexibilizações processuais, enquanto um ex-presidente da República — com saúde debilitada — permanece isolado e sem perspectiva de revisão?
A questão aqui não é discutir culpa ou inocência, mas sim a coerência institucional. O Direito Penal deve se sustentar em regras, previsibilidade e isonomia. Quando decisões começam a depender mais da natureza política do réu do que da natureza jurídica do caso, o próprio conceito de Justiça fica comprometido.
A percepção pública — já desgastada — é de que há uma Justiça para uns e outra bem distinta para outros. E essa percepção não nasce de teorias conspiratórias, mas de fatos concretos:
- banqueiros sendo soltos;
- lideranças do crime organizado indo para casa;
- e um ex-presidente, idoso e doente, mantido sob vigilância máxima.
É natural que o país questione.
A seletividade penal não apenas corrói a credibilidade das instituições, mas aprofunda a divisão política e fragiliza o Estado de Direito. Num ambiente democrático, decisões judiciais precisam ser tecnicamente explicáveis e socialmente compreensíveis.
Quando não são, o risco é que a sociedade passe a enxergar a Justiça não como um pilar de equilíbrio, mas como um instrumento de poder.
E isso, historicamente, nunca termina bem.
Fonte: Hora Brasília
