A Polícia Federal (PF) apontou em relatório indícios de interferência em decisões judiciais e movimentação de valores em espécie envolvendo o ex-presidente da OAB-MT, advogado Ussiel Tavares, e o lobista e também advogado Roberto Zampieri, assassinado em dezembro de 2023.
A análise das conversas extraídas do celular de Zampieri revela tratativas financeiras relacionadas a processos no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). As informações constam em um relatório assinado pelo delegado Marco Bontempo, ao qual o MidiaNews teve acesso.
As investigações apuram uma suposta venda de sentenças no TJMT e no STJ. Zampieri é considerado peça central na apuração de uma rede de tráfico de influência no Judiciário. O relatório integra a Operação Sisamnes e foi encaminhado ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin, relator do caso. O documento foi produzido em julho deste ano.
A PF descreve que as mensagens analisadas mostram um padrão de estratégias de dissimulação de pagamentos, menções a magistrados do TJMT e operações de entrega de dinheiro com características típicas de lavagem e ocultação de valores.
Segundo o relatório, Zampieri e Ussiel discutiram, entre fevereiro e abril de 2022, formas de influenciar julgamentos e viabilizar transferências de altas quantias supostamente vinculadas a resultados processuais.
Em 29 de março de 2022, Zampieri afirmou que o cliente aguardava a publicação de um acórdão para liberar o pagamento restante, reforçando a relação entre o desfecho judicial e os valores combinados. Ussiel respondeu que já havia “cuidado” do assunto.
Em 10 de março, Zampieri solicitou R$ 500 mil “se possível”. Na troca de mensagens, chegou a questionar “Quantos US?”, sugerindo a utilização de moeda estrangeira. Ussiel então enviou a foto de uma nota de R$ 2, que serviria como senha para retirada de dinheiro em um endereço em São Paulo, e mencionou o número “125”, equivalente a R$ 125 mil.
O relatório também aponta que, em outra conversa, Zampieri diz a Ussiel que resolveria “um negócio com o dese João”, referência ao desembargador João Ferreira Filho, afastado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo o texto, Zampieri afirmou que “o assunto já estava resolvido” e pediu que o cliente fosse tranquilizado.
O processo mencionado tramitava na Primeira Câmara de Direito Privado do TJMT, então composta pelos desembargadores João Ferreira Filho, Sebastião Barbosa Farias e Nilza Maria Pôssas de Carvalho. O caso está em segredo de Justiça.
O relatório cita ainda a atuação de terceiros, como o empresário Waldemar Corrado e o suposto doleiro Surrey Ibrahim Mohamad Youssef, que seriam responsáveis por repasses e logística financeira.
Em 7 de fevereiro de 2022, Ussiel pediu a retirada urgente de um processo da pauta, alegando que a desembargadora Nilza Pôssas estaria “atropelando os trâmites”. Zampieri respondeu que já havia tratado o assunto “pessoalmente” e que se reuniria com o desembargador Sebastião Barbosa Farias.
Em 4 de março, Ussiel encaminhou um memorial do processo, com julgamento previsto para o dia 8. Zampieri afirmou já ter conversado com “a autoridade responsável” e que, se houvesse manifestação desfavorável, seria feito um pedido de vista — algo que, segundo os investigadores, pode indicar tentativa de alterar ou retardar decisões.
Em 11 de março, Ussiel perguntou sobre a retirada de valores, e Zampieri confirmou a operação, dizendo que o dinheiro havia sido entregue em dois locais diferentes para dificultar rastreamento. Quatro dias depois, Zampieri cobrou novos repasses: “Essa semana consegue mais????”. Ussiel respondeu: “Tem que sim”. Na mesma troca de mensagens, Zampieri afirmou: “Essa semana eu pego o voto dele e te passo”.
Em 22 de março, Zampieri pediu que Ussiel “organizasse o papel pra eu cumprir com os sócios”. Para os investigadores, “papel” significa dinheiro em espécie.
A PF conclui que as mensagens revelam um esquema estruturado de tráfico de influência e pagamento de valores em espécie, com operações em Mato Grosso e São Paulo. Nenhum dos citados foi formalmente indiciado até o momento.

Outro lado
O ex-presidente da OAB-MT, Ussiel Tavares, negou as acusações e suspeitas levantadas com base nas mensagens analisadas.
“Nego veementemente os fatos que me são atribuídos”, afirmou ao MidiaNews. “A busca e apreensão não encontrou nenhum centavo.”
Ele destacou que a investigação corre em segredo de Justiça e que fará sua defesa no momento oportuno.
“Prefiro não comentar sobre uma investigação que corre em segredo de Justiça. Tenho confiança absoluta na minha inocência”, declarou. “No momento certo, se houver processo, iremos apresentar a defesa que vai comprovar que eu não tenho nada a ver com essa história.”
Inf. Mídias News
