Apontado pela Polícia Federal como o “lobista dos tribunais”, o mato-grossense Andreson de Oliveira Gonçalves é suspeito de liderar um esquema milionário de venda de sentenças judiciais e lavagem de dinheiro, que teria movimentado até R$ 10 milhões por dia. As informações constam em um relatório preliminar da PF, revelado em reportagem do Estadão nesta terça-feira (11), e que fundamenta a Operação Sisamnes.
A investigação apura a existência de uma rede de influência e corrupção com ramificações no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e em tribunais estaduais, incluindo o de Mato Grosso. Segundo o relatório, Andreson estruturou um sistema complexo de ocultação de recursos ilícitos, com apoio de advogados, servidores públicos e outros lobistas.
Para dar aparência de legalidade aos valores obtidos com corrupção, o grupo teria usado empresas de fachada, contratos simulados e movimentações pulverizadas. O documento descreve que Andreson criou um “quadro de invisibilidade financeira”, sustentado pela transportadora Florais Transporte Ltda., adquirida em 2013 e usada como núcleo central do esquema.
A transportadora, com frota de quase 400 veículos avaliada em R$ 98 milhões, seria o principal canal para o “branqueamento” de cifras milionárias por meio de notas frias e transferências disfarçadas. Conversas interceptadas pela PF mostram o lobista demonstrando confiança no alcance de sua operação:
“Pode mandar 10 milhões por dia que não faz diferença”, disse ele a uma interlocutora identificada como Aline Novo.
Entre 2014 e 2024, uma única conta da empresa registrou R$ 72 milhões em créditos e R$ 73 milhões em débitos, com centenas de depósitos em espécie e cheques compensados.
A PF também descobriu que Andreson usava cartões de crédito e boletos falsos para pagar despesas de luxo e disfarçar o pagamento de propinas. Uma das operadoras do esquema, Daniela Barbosa Schutz, controlava uma agência de viagens de fachada usada para quitar faturas de cartões e até pagar ingressos para o Grande Prêmio de Fórmula 1 de São Paulo, em 2024.
Segundo o relatório, parte dos repasses teria ocorrido dentro do próprio STJ, com entregas de dinheiro em espécie a servidores. Em um diálogo interceptado, um operador comenta: “Vim conversar com um chefe de gabinete do ministro. Tive que vir de carro para trazer uma encomenda para ele.”
Entre os citados pela PF estão o contador Nilvan Marques Medrado, o advogado Roberto Zampieri – assassinado em dezembro de 2023, em Cuiabá – e o servidor do STJ Márcio José Toledo Pinto, exonerado após sindicância interna. A Polícia Federal investiga se parte do dinheiro desviado chegou a gabinetes de ministros, embora nenhum magistrado seja formalmente investigado.
O STJ informou que não comenta processos sob sigilo no Supremo Tribunal Federal (STF), onde o inquérito é relatado pelo ministro Cristiano Zanin. Andreson cumpre prisão domiciliar em Primavera do Leste, a 240 km de Cuiabá, desde julho deste ano, por decisão do próprio Zanin, devido ao seu estado de saúde.
A PF aponta que o “mestre dos magos” contava com pelo menos 14 operadores diretos, responsáveis por movimentar dezenas de milhões de reais em contas e empresas interpostas.
“Diferentemente de outros delitos, aqui a lógica é certa: quanto mais elevado o cargo do agente público, mais sofisticados são os mecanismos criados para suprimir qualquer conexão entre a vantagem indevida e a decisão judicial”, destacou o relatório, assinado pelo delegado Marco Bontempo, responsável por inquéritos de competência dos tribunais superiores.
