O Brasil possui algumas das fábricas mais modernas da América Latina, atraiu montadoras tradicionais desde a década de 1950 e, nos últimos anos, tornou-se um polo estratégico para gigantes chinesas que avançam em processos de nacionalização. Ainda assim, o país figura entre os mercados com os carros mais caros do planeta. A pergunta que incomoda consumidores e especialistas permanece: se tantos veículos são produzidos aqui, por que eles não são mais baratos?
A resposta envolve um conjunto de fatores estruturais que formam o que especialistas classificam como um problema sistêmico. O engenheiro e analista automotivo Fábio Pagotto explica que o preço final de um automóvel no Brasil não reflete apenas o custo de fabricação, mas a soma de impostos elevados, baixa escala de produção, dependência de componentes importados, oscilação cambial, instabilidade política e gargalos logísticos.
Impostos lideram o peso no preço
De início, a carga tributária desponta como o maior obstáculo. Segundo Pagotto, em média, 45 por cento do valor de um carro novo vendido no Brasil corresponde a imposto. O percentual, por si só, já coloca o país em desvantagem diante de outras nações com indústria automotiva desenvolvida.
A distorção é tão grande que modifica a percepção real do custo industrial. Pagotto cita o Toyota Corolla como exemplo. Segundo ele, o custo de fabricação do modelo no Brasil, nos Estados Unidos ou no Japão é muito semelhante. Em alguns casos, pode até ser mais baixo no país. O que eleva o preço ao consumidor é a ação do sistema tributário, que inflaciona o valor do veículo antes mesmo de chegar às concessionárias.
Baixa escala limita a competitividade
Além dos impostos, o Brasil enfrenta outro obstáculo: produz menos do que poderia. Embora tenha um mercado consumidor expressivo e capacidade instalada robusta, o volume de produção não acompanha o padrão de outros países com cadeias automotivas consolidadas.
A matemática industrial é simples. Quanto mais unidades são fabricadas, mais os custos fixos são diluídos. Países menores que o Brasil, mas que exportam em maior quantidade, conseguem alcançar preços mais competitivos justamente por operarem em larga escala. Aqui, grande parte da produção é destinada ao consumo interno, e o volume não é suficiente para reduzir significativamente o custo por veículo. O país produz bem, mas produz pouco, e esse pouco custa caro.
Dependência externa e variação cambial
A modernização tecnológica também encarece o produto final. Cada vez mais equipados, os carros dependem de módulos eletrônicos, sensores, chips e componentes de alta complexidade que, em grande parte, não são fabricados no país.
Essa dependência significa que boa parte do valor agregado ao carro é dolarizada. E, no Brasil, o dólar se comporta historicamente com forte instabilidade. Em períodos de alta cambial, o preço final do veículo sobe. Nos momentos de estabilidade, as montadoras mantêm margens de segurança já incorporadas aos custos, pois o histórico de volatilidade exige previsibilidade financeira.
Bons portos, burocracia lenta
Ao contrário do que muitos imaginam, os entraves logísticos não estão necessariamente ligados à infraestrutura portuária. Segundo Pagotto, portos como os de Santos, Santa Catarina, Vitória e Bahia são eficientes e modernos. O problema está no alinhamento burocrático e administrativo.
Paralisações da Receita Federal, fiscalizações mais lentas e sistemas de liberação de carga engessados provocam atrasos que prejudicam a fluidez da cadeia produtiva. Com estoques cada vez menores e produção em ritmo contínuo, qualquer interrupção gera prejuízo. Uma linha parada custa caro, e esse custo inevitavelmente chega ao consumidor.
Um carro caro por razões estruturais
O carro brasileiro não é caro por ser mal produzido. Pelo contrário, o país já provou ter capacidade industrial, tecnológica e de engenharia para competir globalmente. O problema é o ambiente em que essa indústria está inserida: uma estrutura tributária pesada, escala limitada, forte dependência de insumos estrangeiros e um ambiente econômico e logístico instável.
Para que os preços realmente caiam, afirmam especialistas, não basta modernizar fábricas ou atrair novas montadoras. É necessário reformar o sistema tributário, ampliar o volume de produção, fortalecer a indústria de componentes e garantir mais previsibilidade no fluxo logístico. Enquanto essas mudanças não ocorrerem, os carros produzidos no Brasil continuarão, paradoxalmente, entre os mais caros do mundo.
