
Enquanto o Congresso pressiona o Executivo a cortar gastos, presidente da Câmara apresenta projeto para permitir acúmulo de aposentadoria com salário de mandato
Num gesto que escancara o abismo entre a política e a realidade do país, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), apresentou um projeto de lei que libera parlamentares para receber, ao mesmo tempo, aposentadoria e salário de mandato eletivo. A proposta vem na contramão do discurso de responsabilidade fiscal adotado por lideranças do próprio Congresso, que exigem cortes de gastos do governo federal.
A manobra proposta por Motta revoga uma regra de 1997 que proíbe o acúmulo de aposentadorias com salários públicos, medida criada justamente para coibir excessos e manter algum equilíbrio nas contas públicas. Segundo o texto, a restrição em vigor “desestimula” a participação política de quem já recebe aposentadoria parlamentar — como se fosse aceitável custear duas rendas com dinheiro público enquanto milhões enfrentam dificuldades com aposentadorias mínimas.
Sem qualquer previsão de impacto financeiro, a proposta foi assinada por representantes de PT, PL, União Brasil, PP e PSD na Mesa Diretora — os mesmos partidos que, nos bastidores e tribunas, cobram austeridade do governo federal e prometem barrar aumento de impostos.
Hoje, um deputado federal pode receber até R$ 46.366,19 mensais de salário. Com a aprovação do projeto, passará a ter direito, além disso, a uma aposentadoria que, dependendo do tempo de contribuição, pode ultrapassar esse valor. Tudo isso sem sequer precisar abrir mão de um centavo — enquanto servidores comuns seguem tendo seus acúmulos limitados por lei.
A proposta não é apenas inoportuna: é imoral. Em um momento em que o Brasil discute reforma tributária, revisão de benefícios e ajuste fiscal, a cúpula da Câmara parece mais preocupada em blindar seus próprios privilégios.
