
Ana Barros é jornalista em Cuiabá
A camisa da Seleção não é um outdoor para campanhas de branding. Ela é um dos últimos símbolos capazes de unir o Brasil em um só grito.
A camisa 2 da Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 2026 promete romper com décadas de tradição ao trocar o tradicional azul pelo vermelho. O vazamento divulgado pelo site Footy Headlines, especialista em uniformes esportivos, indica que a mudança foi encomendada pela marca Jordan — subsidiária da Nike — e levanta uma série de questionamentos que vão muito além da estética.
O vermelho não faz parte das cores da bandeira nacional nem do escudo da CBF. E embora o estatuto da entidade permita exceções para ocasiões comemorativas, como ocorreu com a camisa preta usada em homenagem a Vinícius Júnior em 2023, não há até agora qualquer justificativa oficial que se enquadre nessa brecha. O que se vê, ao contrário, é um reposicionamento silencioso, forçado e sem debate com a sociedade, que parece atender mais a uma estratégia de marketing agressivo do que a qualquer celebração legítima da história do futebol brasileiro.
Mas o problema vai além da regra estatutária. Em um país tão polarizado politicamente como o Brasil, a escolha da cor vermelha para um símbolo nacional carrega inevitáveis conotações. O vermelho é a cor-símbolo do Partido dos Trabalhadores (PT), do ex-presidente Lula e de toda uma narrativa política que divide opiniões e paixões. Ainda que não se trate de um uniforme “petista”, como os mais exaltados nas redes sugerem, é impossível ignorar o simbolismo que essa cor desperta no atual cenário político brasileiro.
Trata-se de uma forma de propaganda subliminar — ainda que negada — que inevitavelmente acende o alerta para o uso do futebol como instrumento ideológico. O risco aqui não é apenas o da quebra de tradição ou da afronta ao estatuto, mas da contaminação de um patrimônio coletivo com disputas partidárias. A camisa da Seleção é um símbolo nacional que transcende governos. Mudá-la dessa forma é desrespeitar o seu valor histórico e emocional.
E o que dizer da motivação por trás da mudança? O apelo comercial é claro: causar impacto, gerar polêmica, vender mais camisas. A cor vermelha chama atenção, provoca, viraliza. É uma jogada de marketing com alto potencial de retorno — mas de alto risco para a imagem institucional da CBF e da própria Seleção Brasileira. Não é coincidência que a fabricante do uniforme seja a Jordan, conhecida por posicionamentos “ousados” e uma comunicação voltada para cultura, moda e ativismo. O problema é quando esse “ousado” atropela o pertencimento.
Não se trata aqui de rejeitar o vermelho por capricho ou paranoia ideológica. O ponto central é o significado. A camisa da Seleção não é um outdoor para campanhas de branding. Ela é um dos últimos símbolos capazes de unir o Brasil em um só grito. Transformá-la em campo de disputa é um erro grave — e uma afronta ao torcedor.
Ana Barros é jornalista em Cuiabá