
Há dias específicos em que todos os funcionários da sede da Cacau Show, maior rede de franquias de chocolates do país, precisam vestir-se de branco. O motivo? Um ritual conduzido pelo fundador e CEO da marca, Alexandre Tadeu da Costa, conhecido como Alê Costa. Relatos de funcionários e ex-colaboradores descrevem o momento como solene e constrangedor: sem sapatos e em silêncio, os presentes entram em uma sala escura, iluminada apenas por velas, onde acompanham cânticos repetidos pelo executivo, caminhando em círculos atrás dele.
Embora a participação não seja oficialmente obrigatória, quem questiona ou se recusa a participar relata sofrer retaliações veladas ou explícitas, cenário que se estende também aos franqueados da rede, que soma mais de 4 mil unidades em operação pelo Brasil.
As situações relatadas, no entanto, vão além. Um documento protocolado e acolhido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) traz acusações graves de ambiente tóxico e práticas abusivas na empresa, como proibição de gravidez para funcionárias, episódios de gordofobia, homofobia e assédios moral e sexual. De acordo com o texto, as vítimas relatam medo de denunciar, temendo perseguição e retaliações tanto da alta gestão quanto de diretores regionais.
Clima de seita e perseguição a franqueados
O ambiente de devoção ao fundador, com momentos de cânticos e regras rígidas, foi descrito por franqueados como semelhante ao de uma seita corporativa. A insatisfação de parte deles, frequentemente abafada, começou a vir à tona pelas redes sociais. Um perfil anônimo chamado Doce Amargura passou a reunir queixas de empresários sobre cobranças abusivas, fornecimento de produtos com validade próxima ao vencimento e punições financeiras.
Uma franqueada, responsável pela página, relatou ter recebido a visita do vice-presidente da empresa, Túlio Freitas, em sua loja no interior de São Paulo, a mais de 600 quilômetros da sede. Segundo ela, o executivo quis saber “o que seria preciso” para que ela parasse de divulgar os relatos. Atualmente, a empresária busca na Justiça a rescisão contratual com a marca.
Na esfera judicial, a Cacau Show acumula processos por práticas questionáveis contra franqueados. Uma ação em trâmite na 25ª Vara Cível de Brasília aponta a política de restrição de crédito a franqueados em litígio como uma forma de coação. Segundo decisão do juiz Julio Roberto dos Reis, tal prática afronta a liberdade profissional e o direito constitucional de acesso à Justiça.
Resposta oficial
Procurada, a Cacau Show declarou, em nota, que não reconhece as alegações apresentadas pelo perfil Doce Amargura. A empresa afirma ser “uma marca construída com base na confiança mútua, no respeito e na conexão genuína com seus franqueados”. Sobre as visitas de seu vice-presidente, disse que elas fazem parte das atribuições para fortalecer o relacionamento com os empresários parceiros.
“A companhia não compactua com condutas que contrariem seus valores e segue firme em seu propósito de compartilhar momentos especiais”, conclui o comunicado.
Enquanto isso, sob a fachada de sucesso, permanece a rotina de cânticos à luz de velas e relatos de perseguição, compondo os bastidores de uma das marcas mais conhecidas do Brasil.