
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, nesta quarta-feira (11), para declarar a inconstitucionalidade parcial do artigo 19 do Marco Civil da Internet, norma que estabelece a responsabilização de plataformas digitais apenas após descumprimento de ordem judicial para remoção de conteúdos ilícitos. A decisão altera um dos pilares do regime jurídico da internet no Brasil e abre caminho para flexibilizar a responsabilização das empresas em determinados casos.
Com o voto do ministro Gilmar Mendes, a Corte alcançou seis votos favoráveis à mudança na regra. A sessão foi encerrada e será retomada nesta quinta-feira (12), mas a definição da tese de julgamento só ocorrerá após a manifestação dos ministros restantes e a consolidação de um entendimento comum.
O julgamento trata da constitucionalidade do artigo 19 da Lei nº 12.965/2014, dispositivo que, desde a sanção do Marco Civil, condiciona a responsabilização civil de provedores de aplicações na internet à prévia determinação judicial. O artigo tem sido alvo de críticas de setores do Judiciário e do Executivo, que alegam dificuldade na remoção célere de conteúdos ilícitos, especialmente em situações graves.
Modelo de regimes proposto por Gilmar Mendes
O ministro Gilmar Mendes apresentou voto estruturado em quatro regimes diferenciados de responsabilização, a depender do conteúdo e do grau de intervenção da plataforma:
- Regime residual: mantém a exigência de ordem judicial para casos de crimes contra a honra e matérias jornalísticas.
- Regime geral: inspirado no artigo 21 do próprio Marco Civil, permite responsabilização quando, notificada de forma inequívoca, a plataforma não agir para retirar conteúdos ilícitos.
- Regime de presunção: aplica-se a conteúdos patrocinados ou impulsionados, com responsabilização objetiva.
- Regime especial: destina-se a crimes graves, como pornografia infantil, terrorismo e incitação à violência contra o Estado Democrático de Direito, admitindo a responsabilização solidária pela não remoção imediata.
Divergências entre os ministros
O único voto pela integral manutenção do artigo 19 foi o do ministro André Mendonça, que classificou a flexibilização como “ativismo judicial” e defendeu que qualquer mudança estrutural na regulação da internet deveria partir do Congresso Nacional. “A substituição do Poder Legislativo por soluções criadas no voto de um ou outro ministro agrava a insegurança jurídica e enfraquece o princípio da legalidade em matéria sensível”, argumentou.
Outros ministros, como Cristiano Zanin, Flávio Dino, Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, concordaram em flexibilizar a regra, mas divergiram quanto aos critérios. Dino, por exemplo, defendeu responsabilização direta para conteúdos de perfis anônimos, automatizados ou remunerados. Já Zanin considerou que condicionar a responsabilização à decisão judicial representa uma “proteção deficiente” dos direitos fundamentais.
Definição de tese será concluída após os votos restantes
O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, indicou que a proclamação do resultado será adiada para permitir a harmonização das diferentes posições e a construção de uma tese única. Ele ressaltou a importância de sistematizar os pontos de consenso e divergência e afirmou que aguardará os votos de Cármen Lúcia e Nunes Marques, ausentes na sessão.
“É preciso sistematizar os pontos de convergência e divergência. A multiplicidade de propostas indica a necessidade de uma tese de transição regulatória, sobretudo na ausência de legislação aprovada pelo Congresso”, afirmou Barroso. A expectativa é de que a tese final estabeleça diretrizes provisórias para o tema, enquanto o Legislativo não define novas regras para o ambiente digital brasileiro.