
Um esquema bilionário de descontos indevidos em aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) utilizava centrais de telemarketing para aplicar o chamado “golpe da mensalidade” contra aposentados. As fraudes foram reveladas pelo portal Metrópoles e desencadearam a Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em abril de 2024, que investiga um rombo estimado em R$ 6,3 bilhões.
As ligações, que deveriam ser canais de atendimento aos segurados, eram na verdade operadas por empresas terceirizadas que reforçavam a prática fraudulenta. Segundo uma ex-funcionária das centrais de atendimento ouvida pelo Metrópoles sob anonimato, os operadores seguiam um roteiro para justificar os descontos indevidos, muitas vezes alegando que a filiação havia sido feita por WhatsApp, telemarketing ou sem o conhecimento dos próprios beneficiários.
“A gente dizia que eles aceitaram por telefone ou link. Mas a maioria não sabia de nada. E nós, telefonistas, também não sabíamos que era fraude”, relatou a ex-funcionária.
As centrais Callvox e Truetrust Call Center, esta última criada em junho de 2023, operavam em Brasília e empregavam centenas de pessoas. Ambas foram peças-chave para sustentar a estrutura do golpe e tinham relação direta com entidades suspeitas de envolvimento, como a Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA), a Associação Brasileira dos Contribuintes do Regime Geral de Previdência Social (Abrasprev) e a Associação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas da Nação (Abapen).
SAC da fraude
A Truetrust pertence ao lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS”, e a Domingos Sávio de Castro. Ambos são apontados como operadores do esquema, que pagava propina a dirigentes do INSS por meio de empresas e familiares. Um dos beneficiados seria o ex-procurador Virgílio Oliveira Filho. Também consta nos autos o nome do filho do ex-diretor de Benefícios do INSS, André Fidelis, cujo escritório de advocacia recebeu pagamentos do grupo.

Roteiro mostra o que os funcionários deviam falar aos aposentados que notaram o desconto
Os operadores dos call centers eram instruídos a dizer aos aposentados que o valor cobrado seria devolvido em até 10 dias. Com o tempo, o prazo foi estendido para 20, depois 30 dias — e os reembolsos, segundo relatos, praticamente cessaram a partir de novembro de 2024.
Um dos nomes operacionais do esquema seria Adelino Rodrigues Junior, apontado como responsável direto pelo atendimento nas centrais e por realizar pagamentos suspeitos à esposa do ex-procurador. Ele atuava com procuração legal para representar a CBPA.
Entidades na mira
A CBPA, que em 2022 não fazia descontos de aposentadoria, passou a arrecadar R$ 57,8 milhões em 2023 com as mensalidades indevidas, tornando-se uma das três entidades com maior aumento de arrecadação no período.
Embora citadas nas investigações da PF, Abrasprev e Abapen foram excluídas da ação movida pela Advocacia-Geral da União (AGU), que pede o bloqueio de R$ 2,56 bilhões de 12 entidades envolvidas. Já a CBPA segue como alvo da ação.
O escândalo levou à demissão do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e à queda do ministro da Previdência, Carlos Lupi.