
Um trabalhador resgatado de condições análogas às de escravidão em Planura (MG), na região do Triângulo Mineiro, poderá receber uma indenização de R$ 1,3 milhão. A ação foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) na Justiça do Trabalho, conforme divulgado pelo órgão no último domingo (27).
Exploração e Violência
A vítima, um homem homossexual, foi submetida a quase nove anos de trabalho forçado como empregado doméstico. Durante esse período, não recebeu salário, não teve registro em carteira, enfrentou jornadas exaustivas, sem férias ou descanso, e viveu sob vigilância constante. Um dos símbolos mais brutais da violência que sofreu foi a tatuagem com as letras “A.J.” — iniciais dos empregadores — feita à força em seu corpo como marca de propriedade.
Além da exploração trabalhista, a vítima foi submetida a abusos físicos, emocionais e sexuais. Os agressores gravavam os episódios para uso em chantagens. Em um dos vídeos, o trabalhador aparece nu, com grampos presos ao corpo, enquanto os patrões assistem e tocam música ao fundo. Outro registro mostra uma tentativa de enforcamento. Há ainda imagens que comprovam um episódio de extrema tortura, em que a vítima foi forçada a comer as próprias fezes após ter o ânus mutilado e costurado de forma improvisada. Todas as marcas físicas foram periciadas e documentadas.
Ação Judicial e Indenizações
O MPT solicita que os réus sejam condenados a indenizar o trabalhador por danos morais e existenciais, além do pagamento dos salários devidos e da rescisão trabalhista referentes ao período de 2016 a 2025. Do valor total de R$ 1,3 milhão, R$ 300 mil são referentes a direitos trabalhistas e R$ 1 milhão por danos morais e existenciais.
Além disso, o órgão pediu o pagamento de R$ 2 milhões por danos morais coletivos, valor que deverá ser revertido em projetos sociais para a comunidade.
A Operação
A operação de resgate foi realizada entre os dias 8 e 15 de abril por auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, procuradores do MPT e agentes da Polícia Federal. Ela foi desencadeada após uma denúncia recebida pelo Disque 100 do Ministério dos Direitos Humanos, em janeiro deste ano.
Os empregadores utilizavam redes sociais para aliciar pessoas em situação de vulnerabilidade, especialmente integrantes da comunidade LGBT+. Com promessas falsas de emprego e acolhimento, estabeleciam uma relação de confiança com as vítimas antes de submetê-las à exploração.
Outras Vítimas
Durante a ação, também foi resgatada uma mulher trans de nacionalidade uruguaia. Ela havia aceitado uma oferta de trabalho com salário prometido de R$ 700, mas recebia apenas cerca de R$ 100 mensais após descontos indevidos. Ela trabalhava das 6h às 18h, sem pausas adequadas, e chegou a sofrer um AVC devido ao estresse.
Prisões
Três homens foram presos em flagrante durante a operação. Seus nomes não foram divulgados para proteger a identidade das vítimas, considerando o grau extremo de violência e abuso sofrido.
A denúncia expõe não apenas a persistência do trabalho escravo contemporâneo no Brasil, mas também a vulnerabilidade de grupos marginalizados, como a população LGBT+, em situações de aliciamento e exploração.