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O uso de maconha está associado a um risco duas vezes maior de morte por doenças cardíacas, segundo uma nova análise internacional publicada nesta terça-feira (17) no periódico científico Heart. O levantamento reuniu dados de aproximadamente 200 milhões de pessoas, a maioria com idades entre 19 e 59 anos, e identificou um aumento preocupante nas ocorrências cardiovasculares entre usuários da substância.
De acordo com a autora sênior do estudo, Émilie Jouanjus, professora associada de farmacologia da Universidade de Toulouse, na França, o dado que mais chamou a atenção foi a prevalência de complicações cardíacas em pessoas jovens, sem histórico ou fatores de risco típicos para problemas cardiovasculares. “Esses pacientes não apresentavam as características clínicas tradicionais associadas ao tabagismo ou histórico familiar”, ressaltou a pesquisadora.
Além de dobrar o risco de morte por doenças cardíacas, a pesquisa apontou um risco 29% maior de infarto e 20% mais chances de sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) entre usuários de cannabis, em comparação aos não usuários.
Mudança de postura médica e regulatória
Para especialistas, os dados reforçam a necessidade de rever a abordagem médica e regulatória sobre o uso da maconha, inclusive em locais onde a substância é legalizada. Lynn Silver, pediatra e professora de epidemiologia na Universidade da Califórnia, em São Francisco, defendeu mais rigor na comunicação dos riscos à população. “Nosso sistema regulatório priorizou a criação de mercados e o licenciamento de empresas. Mas falta investimento sério em alertas e educação sobre os reais riscos do uso”, afirmou.
Silver, coautora de um editorial que acompanha o estudo, recomenda que profissionais de saúde perguntem sobre o uso de cannabis nas consultas e orientem os pacientes de forma semelhante à abordagem adotada com o tabaco.
Fumaça, comestíveis e alta potência: um cenário de riscos
Embora os estudos analisados não tenham especificado a forma de consumo, Jouanjus destaca que, pelos padrões epidemiológicos, a maior parte dos usuários provavelmente fumava a cannabis. E, segundo especialistas, qualquer forma de inalação — incluindo vaporização ou o chamado dabbing — expõe o organismo a substâncias tóxicas que prejudicam o sistema cardiovascular, de maneira semelhante à fumaça do cigarro.
A crença popular de que a maconha seria menos nociva por ser uma planta natural é equivocada, alerta Beth Cohen, professora de medicina da Universidade da Califórnia. “Queimar qualquer substância gera compostos tóxicos e cancerígenos prejudiciais à saúde”, disse.
Nem mesmo os comestíveis estão isentos de risco. Um estudo recente, publicado em maio deste ano, detectou sinais precoces de danos vasculares semelhantes entre usuários de comestíveis com THC e fumantes de tabaco. Os usuários de alimentos com a substância tiveram uma redução de 56% na função vascular.
Outro fator agravante é a elevação progressiva da potência dos produtos de cannabis disponíveis atualmente. “O que se vende hoje é cinco a dez vezes mais forte do que a maconha usada nos anos 1970. Concentrados podem ter até 99% de THC puro”, alertou Silver. Essa elevação de potência está associada a problemas como dependência, psicose e vômitos incontroláveis, além de ampliar os riscos cardiovasculares.
Alerta para idosos e pacientes com fatores de risco
Diante dos novos dados, especialistas recomendam cautela, especialmente entre pessoas com histórico ou fatores de risco para doenças cardíacas. “Tenho visto muitos pacientes mais velhos usando cannabis para dor ou para dormir, sem saber que estão ampliando o risco de infarto ou derrame”, advertiu Silver.
Enquanto novas pesquisas seguem avaliando os impactos do uso de cannabis, o estudo reforça um ponto essencial: os malefícios cardíacos da maconha merecem atenção tão séria quanto os do cigarro.