
Enquanto muitos mato-grossenses celebram o 8 de abril, data da chegada dos bandeirantes ao arraial que daria origem a Cuiabá, poucos lembram — ou sabem — que o aniversário oficial de Mato Grosso é comemorado em 9 de maio. A data marca a criação da Capitania de Mato Grosso, em 1748, por ordem do rei Dom João V, em resposta à disputa geopolítica com a Espanha e à descoberta de ouro na região, e só foi reconhecida oficialmente em 2003, por meio da Lei nº 8.007, de autoria do então deputado estadual João Malheiros.
Segundo o mestre em História Suelme Fernandes, do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, a demora no reconhecimento da data é reflexo direto da disputa de poder e memória entre as elites locais, sobretudo a cuiabana, que nunca aceitou o fato de que a primeira capital da Capitania tenha sido Vila Bela da Santíssima Trindade, e não Cuiabá.
“Eles preferiam comemorar o 8 de abril para reforçar a força de Cuiabá. Então é uma briga de disputa de memórias. Tem a ver com as elites políticas cuiabanas que nunca reconheceram que a primeira capital do estado fosse Vila Bela”, analisa Suelme.
A criação da Capitania foi uma manobra geopolítica de sobrevivência do império português. À época, a região que hoje compõe Mato Grosso estava, teoricamente, sob domínio espanhol, conforme o Tratado de Tordesilhas (1494). Mas com a chegada dos bandeirantes paulistas, como Pascoal Moreira Cabral e Miguel Sutil, e a descoberta de minas de ouro, a Coroa Portuguesa apressou-se em estabelecer presença definitiva no território. Assim nasceu, em 9 de maio de 1748, a Capitania de Mato Grosso, separada da Capitania de São Paulo.
O primeiro governador, Dom Antônio Rolim de Moura Tavares, chegou à região por terra, enfrentando meses de viagem e fundou, em 1752, a cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade às margens do Rio Guaporé, com a missão de vigiar e conter as possíveis investidas espanholas. A localização estratégica da nova capital demonstrava a preocupação militar e geopolítica de Portugal em garantir suas possessões na América do Sul.
“Se não fosse a criação da Capitania, o Brasil teria hoje uma configuração territorial muito diferente”, afirma o historiador e doutor em história Edevamilton de Lima Oliveira. “É provável que os espanhóis tivessem permanecido com terras que hoje formam Mato Grosso, Rondônia, Acre, Amazonas e parte do Pará.”
Apesar de sua importância histórica e territorial, a data de criação da Capitania passou décadas ignorada. Para o ex-deputado João Malheiros, que propôs a lei que institui o 9 de maio como data oficial, reconhecer o aniversário de Mato Grosso é também reafirmar a identidade regional, recuperar o sentimento de pertencimento e preservar os referenciais culturais e geográficos do povo mato-grossense.
“Um povo sem cultura se parece com uma árvore sem tronco, maleável e fácil de ser moldada a interesses estranhos”, escreveu Malheiros na justificativa do projeto de lei.
A resistência em celebrar o 9 de maio, segundo os historiadores, está enraizada na narrativa dominante construída a partir de Cuiabá, cidade que já era consolidada quando perdeu o status de capital para Vila Bela. Ao longo do tempo, essa memória foi abafada, e o 8 de abril — data de fundação de Cuiabá — acabou sendo informalmente tratado como aniversário do estado.
Mais do que uma data: um resgate histórico
A história de Mato Grosso é também a história da consolidação territorial do Brasil. A travessia do continente, os mapas desenhados a mão, os tratados internacionais e a presença militar moldaram não apenas o estado, mas garantiram que grande parte da Amazônia e do Centro-Oeste permanecessem brasileiros.
“Reconhecer o 9 de maio é mais do que comemorar uma data: é valorizar a história, reconhecer o esforço dos que vieram antes e fortalecer a identidade mato-grossense”, conclui Edevamilton Oliveira.
O Instituto Memória do Poder Legislativo, em Cuiabá, abriga documentos, mapas, registros históricos e projetos educacionais voltados à preservação dessa trajetória, e convida a população a conhecer mais sobre o passado do estado.