crédito: Receita Federal/Polícia Federal/Divulgação
No Brasil, uma joia raramente carrega apenas o brilho. Por trás de colares, anéis e relógios de grife há uma engrenagem clandestina que começa com furtos em shoppings e termina em cofres de empresários, políticos e atravessadores. Um exemplo recente ilustra como o esquema funciona: em novembro de 2024, três integrantes de uma quadrilha de Santo Antônio do Descoberto (GO) invadiram duas joalherias em Santa Catarina e levaram R$ 6,3 milhões em pedras e relógios. Parte do ouro furtado foi derretida e entrou no mercado ilegal, abastecendo compradores que preferem ignorar a origem criminosa do material.
De acordo com a Polícia Federal, joias são hoje uma das moedas preferidas do crime organizado. Fáceis de esconder, difíceis de rastrear e com liquidez imediata, esses itens movimentaram, em dez anos, mais de meio bilhão de reais em operações clandestinas de lavagem de dinheiro, contrabando e corrupção. Em muitos casos, são usadas para ocultar patrimônio ilícito ou para fugir do rastreamento bancário.
Moeda do crime
Frederico Bedran Oliveira, especialista em direito minerário, explica que a falta de controle sobre a origem do ouro alimenta toda essa cadeia. “O crime organizado abastece o mercado formal. O cliente final não sabe de onde veio a peça que compra na vitrine. Isso só vai mudar quando a sociedade exigir procedência”, afirma.
Além das quadrilhas especializadas, servidores públicos e políticos também estão inseridos nesse circuito paralelo. Entre 2015 e 2025, a PF instaurou 93 investigações sobre desvio de recursos públicos com joias e ouro, que resultaram na apreensão de 1.440 peças, avaliadas em R$ 24,5 milhões.
Esquema bilionário
A operação Pirâmide de Ouro, deflagrada em 2024, revelou a dimensão desse mercado clandestino. Após a apreensão de 15 barras de ouro em Belém (PA), foi identificada uma organização familiar no Paraná responsável pela extração ilegal de minério em Rondônia e Amazonas. O ouro era revendido para uma empresa de Goiânia (GO), e as transações somaram cerca de R$ 2 bilhões em apenas quatro anos.
A Receita Federal reconhece a dificuldade de fiscalizar o setor. Daniel Belmiro Fontes, superintendente-adjunto do órgão, explica que, no comércio de joias, a ausência de nota fiscal ou documento de origem permite a aplicação imediata da pena de perdimento. Mesmo assim, a informalidade predomina, e a fiscalização esbarra na imensidão de pequenas operações pulverizadas em todo o país.
Do furto à vitrine
A cadeia criminosa funciona em série: as peças roubadas são derretidas, misturadas a ouro sem origem legal, transformadas em novas joias e vendidas no mercado formal. Para o cliente comum, resta a ilusão de luxo; para quem movimenta o submundo, mais uma operação livre de rastreio. A quadrilha de Santo Antônio do Descoberto é só a ponta visível de um mercado subterrâneo bilionário, que cresce enquanto a rastreabilidade do ouro no Brasil segue frágil.
